quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Paisagem protegida da vinha, ilha do Pico

Timidez

Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve...



- mas só esse eu não farei.



Uma palavra calda
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras mais distantes...



- palavra que não direi.



Para que tu me adivinhes,
entre os ventos taciturnos,
apago meus pensamentos,
ponho vestidos noturnos,



- que amargamente inventei.



E, enquanto não me descobres,
os mundos vão navegando
nos ares certos do tempo,
até não se sabe quando...



- e um dia me acabarei.



Cecília Meireles

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Às vezes, em dias de luz perfeita e exacta

Às vezes, em dias de luz perfeita e exacta,
Em que as coisas têm toda a realidade que podem ter,
Pergunto a mim próprio devagar
Porque sequer atribuo eu
Beleza às coisas.

Uma flor acaso tem beleza?
Tem beleza acaso um fruto?
Não: têm cor e forma
E existência apenas.
A beleza é o nome de qualquer coisa que não existe
Que eu dou às coisas em troca do agrado que me dão.
Não significa nada.
Então porque digo eu das coisas: são belas?

Sim, mesmo a mim, que vivo só de viver,
Invisíveis, vêm ter comigo as mentiras dos homens
Perante as coisas,
Perante as coisas que simplesmente existem.

Que difícil ser próprio e não ser senão o visível!

Alberto Caeiro

sábado, 21 de novembro de 2009

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Feto arbóreo

Quinta das Rosas

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Crepúsculo



É quando um espelho, no quarto,
se enfastia;
Quando a noite se destaca
da cortina;
Quando a carne tem o travo
da saliva,
e a saliva sabe a carne
dissolvida;
Quando a força de vontade
ressuscita;
Quando o pé sobre o sapato
se equilibra...
E quando às sete da tarde
morre o dia
- que dentro de nossas almas
se ilumina,
com luz lívida, a palavra
despedida.


David Mourão Ferreira


segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Líderes cada vez mais de acordo em não fazer pacto vinculativo sobre o clima em Copenhaga

Aguentaremos sem derreter até haver acordo sobre o clima, como sugeria esta acção da WWF em Berlim, em Setembro?


Notícia retirada daqui

domingo, 15 de novembro de 2009

sábado, 14 de novembro de 2009

Les uns et les autres (1980) - le boléro de Ravel -

As flores do mal

A QUE ESTÁ SEMPRE ALEGRE

Teu ar, teu gesto, tua fronte
São belos qual bela paisagem;
O riso brinca em tua imagem
Qual vento fresco no horizonte.

A mágoa que te roça os passos
Sucumbe à tua mocidade,
À tua flama, à claridade
Dos teus ombros e dos teus braços.

As fulgurantes, vivas cores
De tua vestes indiscretas
Lançam no espírito dos poetas
A imagem de um balé de flores.

Tais vestes loucas são o emblema
De teu espírito travesso;
Ó louca por quem enlouqueço,
Te odeio e te amo, eis meu dilema!

Certa vez, num belo jardim,
Ao arrastar minha atonia,
Senti, como cruel ironia,
O sol erguer-se contra mim;

E humilhado pela beleza
Da primavera ébria de cor,
Ali castiguei numa flor
A insolência da Natureza.

Assim eu quisera uma noite,
Quando a hora da volúpia soa,
Às frondes de tua pessoa
Subir, tendo à mão um açoite,

Punir-te a carne embevecida,
Magoar o teu peito perdoado
E abrir em teu flanco assustado
Uma larga e funda ferida,

E, como êxtase supremo,
Por entre esses lábios frementes,
Mais deslumbrantes, mais ridentes,
Infundir-te, irmã, meu veneno!

Charles Baudelaire

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Se

Se não puderes ser um pinheiro, no topo de uma colina,
Sê um arbusto no vale mas sê
O melhor arbusto à margem do regato.
Sê um ramo, se não puderes ser uma árvore.
Se não puderes ser uma ramo, sê um pouco de relva
E dá alegria a algum caminho.

Se não puderes ser uma estrada,
Sê apenas uma senda,
Se não puderes ser o Sol, sê uma estrela.
Não é pelo tamanho que terás êxito ou fracasso...
Mas sê o melhor no que quer que sejas.

Pablo Neruda

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Saudades de Coimbra, do Mondego e da Guitarra de Carlos Paredes

Ó NOITE

Ó noite, flor acesa, quem te colhe?

Sou eu que em ti me deixo anoitecer,

Ou o gesto preciso que te escolhe

Na flor dum outro ser


Sophia de Mello Breyner

Anoitece


domingo, 1 de novembro de 2009

Nuvem

Porque hoje é domingo

Porque hoje é domingo
E o dia despertou preguiçosamente bonito;
Vou te amar mais uma vez.
Mais uma vez vou te amar;
Porque hoje é domingo.

Mas se o telefone tocar
Se o cachorro latir
Se o carteiro no portão bater;
Não vou dar atenção.
Mais uma vez vou te amar
Porque hoje é domingo.

Porque hoje é domingo
Vou te servir café na cama.
E se meu flerte te causar espanto
Vou te amar mais uma vez.
Mais uma vez vou te amar;
Porque hoje é domingo.

Mas se o vizinho acordar
Se um temporal varrer a cidade
Se um terremoto balançar nossa cama;
Mais uma vez vou te amar
Porque hoje é domingo

Porque hoje é domingo
Não quero saber de compromisso.
Vou te amar mais uma vez
Mais uma vez vou te amar;
Porque hoje é domingo.

Mas se a noite chegar
Se a lua nos abençoar
Se o sol nascer com cara de segunda-feira;
Vou te amar mais uma vez.
Mais uma vez vou te amar
Porque você é meu eterno domingo.


Gilio de Hollanda